A Redução dos Vencimentos dos Servidores Públicos é saída para a crise do coronavírus?

É hora do Congresso deixar de ser pautado pelos interesses do sistema financeiro e da mídia e passar a ouvir a inteligência brasileira

Por José Luis Oreiro (UnB) e Helder Lara Ferreira (UnB)

A proposta em elaboração no Congresso Nacional de redução dos vencimentos dos servidores públicos da União para (sic) abrir espaço fiscal para o enfrentamento dos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus é uma medida inócua, desnecessária e prejudicial para a saúde econômica do país.

Vamos por partes:

Segundo o Painel Estatístico de Pessoal, do Ministério da Economia, os gastos com pessoal da União, em 2019, foram de 319,51 bilhões de reais. No entanto, o gasto com pessoal ativo foi de 180,41 bilhões de reais. As despesas com pessoal inativo estão fora da medida de redução dos vencimentos, por se referirem a benefícios previdenciários cuja irredutibilidade é garantida por Clausula Pétrea da Constituição Federal. 

Do total das despesas com pessoal, cerca de 40% se referem a despesas com saúde, segurança e defesa, as quais não seriam afetadas pela discussão do corte de vencimentos. Considerando que essa proporção seja válida também, aproximadamente, para os vencimentos com pessoal ativo (não há informações separadas entre inativos e ativos), teríamos como ponto de partida o valor de R$ 108 bilhões, ou seja, 60% de R$ 180 bilhões.

Há diversas propostas, atualmente, no sentido de redução de salários e vencimentos. Desde uma supressão de salários que poderia chegar a 50% (o que caracteriza uma situação de confisco a qual, portanto, deverá ser rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal), outra com a possibilidade de redução de 20% de forma linear, a outras propondo algo progressivo com o nível de salário, e ainda algumas que retiram da propostas algumas categorias (notadamente no Judiciário), todas com prazos diferentes de validade do corte de salários – desde 3 meses, ou enquanto a calamidade por conta do coronavírus perdurar, e algumas com validade até 2024 (!).

Considerando-se uma das propostas menos radicais – e, portanto, com  mais probabilidade de ser aprovada pelo Congresso Nacional – de um corte de 20% linear das despesas com o pessoal ativo e por três meses, teríamos uma economia de cerca de 5 bilhões de reais (3/13 * 108 bi * 0,2), ou 0,068% do PIB. É isso mesmo, teríamos de uma redução de despesas que não chega nem a 0,1% do PIB.  Se algumas categorias (como juízes e procuradores) fossem retiradas dessa conta, além de pessoas que ganham menos do que 10 mil reais (sim, grande parte do funcionalismo ganha menos de 10 mil reais, ao contrário do que é alardeado, muitas vezes com anedotas para ataques ideológicos contra o setor público como um todo), a economia facilmente cairia para menos da metade dos 5 bilhões apontados anteriormente. Trata-se, portanto, de uma medida inócua.

Isso porque haveria uma redução de despesa da ordem de 2 a 5 bilhões de reais, num momento que são necessárias medidas da ordem de centenas de bilhões de reais. Isso não faz nenhum sentido econômico e/ou político. Devemos destacar que nenhuma medida de redução dos salários dos servidores públicos foi executada ou está sendo formulada pelos países desenvolvidos ou em desenvolvimento; os quais estão lidando com a crise com a seriedade que ela merece, a exemplo dos EUA, com um pacote de 2 trilhões de dólares adicionais (além de algumas centenas de bilhões de dólares anteriormente já gastos) aprovados na data de hoje (25/03/2020). Temos também o exemplo da  Dinamarca que destinou 15% de seu PIB para o enfrentamento da crise.

Dessa considerações se segue que o Congresso Nacional está gastando tempo e energia com medidas minúsculas que não só não ajudam no enfrentamento da crise, como ainda criam problemas adicionais como, por exemplo, a inadimplência dos servidores atingidos, a redução do consumo num momento de depressão econômica e a provável redução da qualidade dos serviços públicos oferecidos à população.  Essa medida é, portanto, prejudicial à saúde econômica do Brasil. 

Por fim, trata-se de uma medida desnecessária pois o Tesouro Nacional tem uma reserva de R$ 1,355 trilhão de reais depositados na sua Conta Única no Banco Central, montante esse que representa um valor 271 vezes maior do que o que poderia ser economizado com a redução dos vencimentos dos servidores públicos. Propostas para o uso dessa reserva do Tesouro que está ociosa nos cofres do Banco Central do Brasil já foram feitas (a esse respeito ver mais aqui) , mas ainda não obtiveram do Congresso Nacional e da grande mídia a devida atenção.

Por fim, existem outras formas de se obter os recursos financeiros necessários para o enfrentamento da crise mas que nem aparecem para debate como, por exemplo, (i) a elevação da alíquota de tributação de heranças de 8% para 16%; tributação de grandes fortunas; (ii) a tributação de lucros e dividendos distribuídos ; (iii) o aumento da progressividade na tributação da renda com a criação de alíquotas adicionais no IRPF, mas também com a harmonização de regras para todas as faixas de renda, mesmo que como PJ; dentre outras.

É o momento do Congresso Nacional deixar de ser pautado pelos interesses do sistema financeiro e da grande mídia e passar a ouvir a inteligência Brasileira.     

(Texto: Blog do José Luis Oreiro  // Foto: Rede Brasil Atual)

 

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